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Tráfico de Mulheres no Brasil: um crime que exige resposta urgente

Por Adriana Ramalho e Ana Lopes
O tráfico de pessoas é um dos crimes mais graves e silenciosos enfrentados pela sociedade contemporânea, especialmente de mulheres e meninas, e permanece entre os crimes mais nocivos e lucrativos no Brasil. Muito além de um problema criminal, trata-se de uma violação direta dos direitos humanos, que expõe milhares de pessoas à exploração sexual, ao trabalho forçado e a diversas formas de violência.
Além da gravidade intrínseca, esse tipo de crime não ocorre de maneira isolada, está profundamente ligado a desigualdades estruturais reflete como a pobreza, a exclusão social, a falta de oportunidades e a discriminação de gênero que persistem no país e no mundo. Mulheres em situação de vulnerabilidade tornam-se alvos fáceis para redes que se aproveitam de promessas enganosas de emprego, estudos ou melhores condições de vida, levando muitas delas a situações de exploração e aprisionamento.
Dados alarmantes expõem o tamanho do problema: um estudo conduzido pela Agência da ONU para as Migrações (OIM), em parceria com o CNJ e a UFMG, analisou 144 processos entre 1º de agosto e 15 de dezembro de 2021. Das 714 vítimas identificadas, impressionantes 96,36% são mulheres, e 85,99% delas são brasileiras.
No panorama global, o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas 2024 do UNODC aponta um aumento de 25% nas vítimas detectadas entre 2022 e o período anterior à pandemia, perfazendo mais de 202 mil vítimas registradas entre 2020 e 2023. De 2019 a 2022, o tráfico para trabalho forçado subiu 47%, enquanto mulheres e meninas continuam sendo maioria: 61% das vítimas em 2022 eram femininas.
No Brasil, a Justiça Federal indicou que 96% das vítimas em ações penais de segunda instância entre 2012 e 2019 eram mulheres, em sua maioria submetidas à exploração sexual. A maioria das vítimas brasileiras teve seus destinos internacionais, especialmente Espanha, Portugal e Itália, e o meio de aliciamento mais comum foi a fraude (50,69%), seguida de abuso de vulnerabilidade (22,91%).
O Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgou, em 2024, que a internet e as redes sociais se consolidaram como o principal canal de aliciamento no tráfico para exploração sexual (52% dos casos). No trabalho forçado, conhecidos ou amigos representam 28% dos casos, seguidos pela internet (26%). Além disso, 26% dos entrevistados relataram formas de exploração que ocorrem sem deslocamento físico, via redes sociais ou aplicativos.
Programas de prevenção e combate ao tráfico, no Brasil, têm buscado atuar em diferentes frentes. Uma delas é a conscientização, por meio de campanhas educativas que informam a população sobre os riscos, as formas de aliciamento e os canais de denúncia disponíveis. Outra estratégia é o fortalecimento de redes de acolhimento, oferecendo apoio jurídico, psicológico e social às vítimas que conseguem escapar das situações de exploração.
A atuação governamental também se dá por meio de políticas públicas nacionais, voltadas tanto para o enfrentamento do crime quanto para a proteção das vítimas. O trabalho da polícia e do judiciário, aliado a ações de organizações da sociedade civil, contribui para desmantelar redes criminosas e oferecer alternativas às mulheres em risco. Ainda assim, os desafios permanecem: o tempo de tramitação de processos, a dificuldade de unificar informações e a subnotificação dos casos dificultam uma resposta mais eficaz.
Frente à gravidade dos números, diversas frentes atuam para coibir esse crime.
O Projeto Trilhas do Cairo, apoiado pelo UNFPA Brasil e pela Embaixada Britânica, fortalece 12 organizações civis em regiões como Amazônia Legal, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia. Essas entidades promovem campanhas de prevenção e conscientização, oferecem assistência jurídica, psicológica e social às vítimas, e atuam pela igualdade de gênero e direitos humanos.
Outro marco fundamental é a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP), instituída em 2006, com base no Protocolo de Palermo (2004). Em 2016, foi sancionada a Lei nº 13.344, que incorporou o artigo 149-A ao Código Penal, tratando especificamente do tráfico interno e internacional e ampliando a proteção às vítimas, incluindo migrantes.
A Polícia Federal intensificou suas operações em 2024: foram seis operações no primeiro semestre — quase o dobro do mesmo período do ano anterior —, resgatando 81 vítimas e identificando mais de 120 traficantes envolvidos em redes transnacionais.
Ainda, o Ligue 180, serviço nacional de atendimento da Central de Atendimento à Mulher, registrou crescimento relevante nas denúncias. Em 2023, foram feitas 114,6 mil ligações por violência doméstica (alta de 23% em relação a 2022), e 596,6 mil denúncias de violações de direitos das mulheres (aumento de 25,8%).
Os desafios persistentes denotam a necessidade de ações coordenadas.
Apesar dos avanços, os obstáculos continuam: processos judiciais frequentemente tomam muito tempo para transitarem em julgado, comprometendo a eficácia da resposta penal, a subnotificação segue sendo um problema grave, em parte devido à fragmentação de registros entre diferentes órgãos como Disque 100, Ligue 180 e o Ministério da Saúde, e as desigualdades estruturais como: pobreza, gênero, raça e condições migratórias, vulnerabiliza ainda mais mulheres e meninas.
O combate ao tráfico de mulheres exige uma abordagem integrada. Não basta apenas reprimir o crime; é necessário investir em educação, geração de emprego e renda, igualdade de gênero e fortalecimento comunitário. A prevenção passa pela criação de oportunidades que reduzam as vulnerabilidades sociais, impedindo que mulheres e meninas sejam facilmente aliciadas por falsas promessas.
Tratar o tráfico de pessoas como prioridade é reconhecer que cada vítima representa uma vida interrompida em seus sonhos, projetos e dignidade. Ao unir esforços entre governo, sociedade civil e comunidade internacional, é possível avançar na construção de um ambiente mais seguro e justo, onde mulheres e meninas tenham garantido o direito fundamental à liberdade e à dignidade.
Adriana Ramalho - Bacharel em Direito, é política (vereadora em SP 2016/2020), ativista social e palestrante sobre combate a violência doméstica, alienação parental, empreendedorismo feminino, e saúde mental.
Ana Lopes é jornalista - formada em Comunicação Social, Pós Graduada em Políticas Públicas e em Ciência Política.