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O negociador como alternativa tática entre a crise e a solução

Fernanda Alves
Enredos que envolvem negociação e reféns, sejam casos reais ou fictícios, costumam ser sucesso no cinema e na literatura. Na vida real a trama é permeada de complexidades.
Um dos fenômenos cinematográficos do momento é o drama “Até a Última Gota” (Straw). A história de uma mãe solo, levada ao seu limite pelas dificuldades financeiras. Desesperada, sem ter onde morar e vendo a vida de sua filha ameaçada, ela invade um banco e faz todos de reféns. O filme estreou em 6 junho de 2025 no streaming e em poucos dias se tornou o mais visto no mundo e também um fenômeno de visualizações no Brasil.
Outra produção famosa é “A Negociação” (The Negotiator), de 1998. Danny Roman, interpretado por Samuel L. Jackson, é um policial especialista em lidar com sequestradores, mas se vê diante de uma crise que envolve a própria vida. Em 2013 “Capitão Phillips” (Captain Phillips), com Tom Hanks, retrata o caso real envolvendo negociações entre a Marinha dos Estados Unidos e piratas somalis, sequestradores de um navio.
No Brasil, há casos paradigmáticos como o sequestro do Ônibus 174, no ano 2000, no Rio de Janeiro, que paralisou o país e foi transformado em documentário (2002); oito anos depois, o caso Eloá Pimentel, no ABC Paulista, comoveu os brasileiros ao longo de cinco dias. O documentário “Quem Matou Eloá?”, de Lívia Perez (2015), analisa o crime de autoria de Lindemberg Alves, de 22 anos, e o desenrolar dos fatos a partir da invasão ao apartamento de sua ex-namorada.
Na realidade, lidar com a vida humana é um ofício que deve ser pautado pela técnica, pela ética e pela preservação dos envolvidos, diretriz seguida à risca pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar de Alagoas (PM-AL).

“Uma situação de crise pode acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar, quando menos se espera”. A autoria da frase é desconhecida, mas a máxima é bastante difundida entre os operadores de segurança, pois reforça a necessidade de estar sempre preparado para agir no chamado teatro de operações — termo usado para designar a ideia de ambiente e componentes que envolvem a ação operacional.
No dia 07 de junho deste ano, a PM-AL foi acionada por meio do número 190 para uma situação na Rua Manaus, no bairro do Prado, em Maceió. De imediato, guarnições do 1º Batalhão e do Batalhão de Rotam (Ronda Ostensiva Tática Motorizada) foram até o endereço. “Na chegada ao local, foi constatado que se tratava de uma ocorrência de maior complexidade, envolvendo reféns e com uma vítima já em óbito”, relembra o sargento da Reserva Remunerada Altair Galvão.
Cumprindo o protocolo de gerenciamento de crises da Polícia Militar de Alagoas, o Bope foi acionado e chegou ao terreno munido de todas as alternativas táticas previstas para esse tipo de evento crítico. O gerente da crise designado pelo Bope assumiu o controle da ação, coordenando a atuação integrada das equipes de negociação e de intervenção tática.
“Os negociadores atuaram com técnica, resiliência e precisão, mesmo diante da pressão imposta pela compressão do tempo e da gravidade das ameaças à vida dos reféns”, esclareceu o comandante do Bope, major Diego Sarmento.
Dessa forma, manteve-se a negociação, no intuito de que o chamado Causador do Evento Crítico (CEC) cessasse sua ação e libertasse as vítimas. Ele demonstrava comportamento hostil e determinado a causar graves lesões, mantendo familiares sob seu poder. Como a situação se tornou ainda mais crítica, o gerente da crise autorizou a intervenção tática. Não foi identificada uma possibilidade segura de disparo seletivo do sniper devido a obstáculos físicos e visuais no terreno, o que inviabilizou o emprego dessa alternativa.
A entrada forçada da equipe tática resultou na neutralização do agressor e no resgate das demais vítimas. Infelizmente, a criança ferida, filha do autor do crime, não resistiu aos ferimentos e faleceu.
Via de regra, diante de uma crise, após o acionamento da PM uma guarnição de área é a primeira a chegar ao local. Ao constatar a complexidade do caso e identificar que se trata de uma crise que exige negociação, uma equipe especializada é mobilizada para assumir a condução da ocorrência.
Para tanto, é necessário fornecer ferramentas aos agentes, e o conhecimento é a maior delas. “Trata-se de um investimento permanente na capacitação do efetivo para atuar com máxima efetividade em situações de alta complexidade”, assegura o major Diego Sarmento.

“O Bope conta em seus quadros com operadores táticos, negociadores e atiradores de precisão (os snipers) e, com o intuito de ampliar ainda mais sua capacidade operacional, a Polícia Militar de Alagoas promove, por meio do próprio Batalhão, o Curso de Atirador Policial de Precisão (CAPP) e o Curso de Negociação Policial em Crises (CNPC)”, completou o comandante.
Sobre os cursos mencionados pelo oficial superior, o primeiro, o CAPP, formou sete atiradores de precisão, e o encerramento foi marcado por solenidade realizada no último dia 18. Já o CNPC iniciou no dia 30 de maio e segue em andamento. Outra especialidade também desenvolvida pelo Bope é a dos explosivistas, assunto que já foi tema de reportagem anterior.
O Negociador na estrutura da PM-AL
Entre as situações de crise que demandam intervenção altamente especializada estão rebeliões, sequestros, tomadas de reféns e ameaças suicidas, por exemplo. Em casos desta natureza, a negociação é uma das alternativas táticas que tem o objetivo de chegar a uma solução da crise da forma mais pacífica possível. Para isso, são utilizadas técnicas de comunicação, psicologia e persuasão.

Com extrema seriedade e profissionalismo, em Alagoas, o papel do negociador é um mister desempenhado pela tropa de elite da corporação desde 2009 e que se consolidou após a recente reestruturação institucional da PM. O Decreto Estadual nº 93.446, de 4 de setembro de 2023, estabeleceu a nova organização básica da instituição como um todo. Conforme o Decreto, a responsabilidade pelo gerenciamento de crises com reféns localizados e pela condução de negociações em ocorrências de altíssimo risco passou a ser assumida efetivamente pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais.
“Essas atribuições, anteriormente desempenhadas com excelência pelo Centro de Gerenciamento de Crises, Direitos Humanos e Polícia Comunitária (CGCDHPC), atualmente vinculado à Diretoria de Políticas Preventivas (DPP) da corporação, foram incorporadas às ações especializadas do Bope”, relembra o major.
O comandante da unidade especializada esclareceu que a Polícia Militar de Alagoas adotou um modelo alinhado à doutrina contemporânea de gerenciamento de crises, direcionando o atendimento dessas ocorrências ao Bope. Essa diretriz visa integrar, de forma plena, as alternativas táticas nos cenários críticos, com um objetivo comum: salvar vidas e garantir a aplicação da lei.
1º CNPC
Da necessidade de ampliar o efetivo apto a solucionar crises, sem necessariamente empregar a força, surgiu o CNPC, que está em sua primeira edição. A turma pioneira do CNPC na PM-AL iniciou no final de maio com 30 alunos matriculados, sendo 23 policiais militares de Alagoas (sete oficiais e 16 praças); dois agentes da Polícia Civil de Alagoas, um oficial da Polícia Militar do Amapá, um agente da Polícia Penal de Alagoas, um integrante da Polícia Civil do Rio Grande do Norte e dois agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Ao longo de quatro semanas, nos períodos da manhã e tarde, o curso é desenvolvido na modalidade presencial, com carga horária total de 200 horas-aulas. A ementa curricular é pautada em preceitos doutrinários e técnicos de negociação de crises, embasados no modelo anglo-americano de Polícia e adaptado à realidade e aos propósitos das instituições policiais brasileiras, de maneira segura, precisa e que garanta integridade física individual e coletiva dos envolvidos.
Alinhamento à doutrina e intercâmbio de coirmãs
O corpo docente do CNPC é formado por militares de ampla formação e vivência na área. Entre os instrutores convidados está a major Belisa França, negociadora, especialista em gerenciamento de crises e subcomandante do Bope da PM do Estado de Sergipe (PMSE).
A militar enalteceu a iniciativa da PM alagoana de realizar o curso, destacando que “formar negociadores dentro da estrutura do Bope para incrementar e fortalecer a alternativa tática da negociação dentro dessa mesma estrutura é sem dúvida um passo para que o Bope e a PM-AL possam aprimorar e entregar o melhor à sociedade alagoana no atendimento a ocorrências críticas. Estruturar uma equipe de negociação dentro do Batalhão de Operações Especiais está alinhado com o que há de mais moderno na doutrina do gerenciamento de crises no Brasil”, ratificando a importância de condensar todas as alternativas táticas do gerenciamento de crises na estrutura do Batalhão.

A major atuou como instrutora em disciplinas relevantes, como doutrina de gerenciamento de crises, primeira intervenção em crises policiais, e também acompanhou e monitorou exercícios práticos e pedagógicos em outras disciplinas, como técnicas e táticas de negociação e negociação com presos rebelados.
“O curso de negociação da PM-AL veio com uma ementa muito moderna e robusta, abarcando a maioria dos tipos de negociação em crises, com presos rebelados, com suicidas, com criminosos comuns, trazendo também conhecimento acerca de outras alternativas táticas, fazendo com que esse negociador possa chegar no teatro de operações realmente munido de todas as ferramentas para atuar dentro de uma equipe de negociação em crises”, completou a major da PMSE.

Outro instrutor de referência convidado foi o major Otávio Roncaglio, da Polícia Militar do Paraná (PMPR), que definiu o convite da coirmã alagoana como uma honra e uma responsabilidade imensas. Ele foi responsável por ministrar as disciplinas de técnicas e táticas de negociação em crises, programação neurolinguística e negociação com presos rebelados. Tais instruções norteiam o processo de comunicação, tão essencial entre o negociador policial (devidamente assessorado por uma equipe), e a pessoa que dá causa a um evento crítico.
“Aliar a negociação em crises policiais com as demais alternativas táticas do gerenciamento de crises no Bope é uma ação que se alinha com as demais polícias do nosso país, uma vez que a instituição que responde a esses eventos críticos precisa, sim, lançar mão de todas as ferramentas que buscam a resolução aceitável de uma crise policial”, reforçou o major, reafirmando o que foi dito pela major Belisa.

Sobre o curso, o militar paranaense explicou a dinâmica de alinhar teoria e atividades práticas. “Depois de uma base teórica muito sólida, muito robusta, partimos para a fase dos exercícios simulados. O intuito é colocar o aluno, o negociador, na vivência, na experiência de negociar durante uma situação crítica. Os exercícios buscam trazer o arcabouço teórico para que o aluno consiga empregar todas as técnicas vistas em sala de aula numa situação próxima à realidade”, finalizou o major Roncaglio.
Continuidade
O curso é uma realidade recente, mas a busca pelo aperfeiçoamento é constante. No ano passado, um exercício simulado mobilizou equipes da PM e foi destaque na imprensa local. O Bope desenvolveu uma simulação no Conjunto Osman Loureiro, no Clima Bom, área do 4º Batalhão de Polícia Militar (BPM), em Maceió. Na ocasião, o teatro de operações envolvia assalto em andamento a estabelecimento comercial com três vítimas feitas reféns. Na simulação, a guarnição de área foi a primeira a intervir.
Em seguida, com o acionamento e reforço do Bope, foi desenvolvida a negociação, culminando com um desfecho satisfatório e todos os envolvidos seguros: negociação, liberação de reféns e prisão dos três causadores do evento crítico. Busca-se sempre uma solução pautada na legalidade e na técnica, priorizando a preservação da vida. Entretanto, conforme preconiza a doutrina, deve-se manter a força letal disponível para que seja empregada de forma proporcional, caso exista uma ameaça iminente.

Assim como ocorre nos exercícios, a Secretaria de Segurança Pública (SSP), a PM e o Bope seguem empenhados para que, ao fim das intervenções, o caso possa finalizar com “ambiente limpo e dominado, equipe em segurança e ocorrência encerrada”.