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Mulheres empreendedoras

Fabiana Di Lúcia (*)
Quem examina o panorama geral das sociedades históricas depara um fenômeno constante, consistente na constatação de que, em todas elas, sem exceção, os contingentes femininos são excluídos de participação nas tarefas produtivas da economia e, também, nas da direção dos negócios sociais. Pode-se dizer que a atuação das mulheres, nessas sociedades, é tão excepcional, que os poucos casos observáveis são apontados como paradigmas ou modelos e mesmo como exemplos a imitar.
As raízes mais remotas – na verdade, remotíssimas – dessa diferenciação discriminatória contra as mulheres, se fincam, com certeza, nas sociedades primitivas e, sem dúvida, como assinalam os antropólogos, na sua estrutura. Esses povos chamados de primitivos eram caçadores e coletores, atividades que demandavam força física ou muscular, que se encontrava, como sabido, mais facilmente nas compleições masculinas, embora isso não possa ser apontado como uma regra infalível.
No processo de implantação das dominações sociais, frequentemente fundadas em disputas guerreiras e conflitos bélicos, mais uma vez se mostra a prevalência da força física na ocupação dos postos de comando. No modelo político da Igreja Romana a exclusividade masculina, tanto na alta cúpula, como nas instâncias intermediárias e nas paróquias, também se viu – e ainda se vê – o monopólio do elemento masculino. Nos Estados mais antigos, como se sabe, as sucessões dinásticas – nos territórios adquiridos em guerras e disputas – privilegiavam a descendência masculina dos monarcas, coisa que foi seguida por séculos a fio, sem alterações que mereçam ser notadas.
Pode-se dizer que a percepção da atuação das mulheres, nessas sociedades, era tão inexpressiva, que os poucos casos observáveis são apontados como paradigmas, todavia, muitas foram as mulheres que se destacaram à sua época com feitos excepcionais, muita das vezes mudando o curso da história, escrevendo um novo capítulo a ser seguido e deixando um legado de luta e exemplo para todos, porém, não recebendo o devido reconhecimento por seus feitos, o que não impediu que outras mulheres surgissem e mostrassem seu valor e capacidade, enfrentando todo o preconceito de sua época.
Algumas são lembradas por sua força e garra, como Joana d’Arc que em 1431, que passou de camponesa analfabeta a líder de um grande exército na França; Maria Leopoldina de Áustria, considerada por muitos historiadores como a principal articuladora do processo de independência do Brasil, ocorrido em 1822, permitindo assim que o Brasil viesse a se tornar uma Nação; Amelia Earhart, que em 1928 se tornou a primeira mulher a sobrevoar sozinha o oceano atlântico e também, Bertha Lutz, brasileira que em 1932 lutou pelos direitos políticos das mulheres e pelo voto feminino. São muitas as que deixaram um legado marcante e que contribuíram de alguma forma para que as mulheres de hoje tivessem o direito garantido ao empreendedorismo e a tantas outras áreas antes permitidas apenas aos homens.
Dito isto, percebe-se que as mais recentes evoluções das práticas políticas, sociais, religiosas e técnicas, o requisito da força física – atributo geral dos homens – foi perdendo, progressivamente, a sua relevância e a sua exclusividade. dando mais espaço a valores e qualidades intelectuais, permitindo assim a criação e o desenvolvimento industrial e tecnológico, onde a participação feminina torna-se cada vez mais crescente e relevante.
Muitos são os desafios enfrentados pelas mulheres, destacando-se a discriminação de gênero pelo simples fato de ser mulher, que tende a se revelar com a possibilidade da independência financeira, porém, como verdadeiras guerreiras que são e pela necessidade de sobrevivência num mundo de tantas injustiças, agem com coragem, persistência e determinação, tornando-se empreendedoras, construindo negócios e empresas inovadoras que costumam obter sucesso mais duradouro. Um grande exemplo que deve ser apontado é o do recrutamento de servidores do poder público, que há mais tempo abriu as suas portas ao ingresso de mulheres, assegurando-lhes a remuneração paritária às dos seus colegas homens. Dito assim, parece que o serviço público está recheado de mulheres, mas essa é apenas uma impressão enganosa.
Se olharmos para os ocupantes dos cargos públicos mais notáveis, com os Ministros de Estado e os Ministros dos Tribunais Superiores, por exemplo, veremos que a presença feminina é irrisória, do ponto de vista quantitativo. No Parlamento Brasileiro, observa-se essa mesma exiguidade de mulheres, ocorrendo situações semelhantes nas direções das grandes empresas estatais, nos bancos públicos, nas reitorias das universidades federais e nas agências reguladoras. E nas empresas do setor privado, a análise rápida mostra que o cenário é idêntico. Isso quer dizer que as mulheres são menos capazes dos que os homens? A resposta tem de ser solenemente negativa.
As mulheres são tão capazes quanto os homens e, do ponto de vista da condução ética, são até diferenciadas. Examine-se, por exemplo, quantas mulheres são acusadas de improbidade, no exercício do cargo de Prefeito, pelo vasto território brasileiro. Um recente levantamento estatístico do STJ mostrou que as ações de improbidade são muito mais frequentes contra gestores masculinos, sendo o caso de se investigar mais demoradamente qual a possível razão disso.
Embora correndo o risco de mencionar uma banalidade ou um lugar comum em tema de empreendedorismo feminino, quero sublinhar que mais da metade dos lares brasileiros das famílias de baixa renda são administrados por mulheres. Geralmente as estatísticas não mencionam esse importante trabalho feminino empreendedor, silencioso e permanente.
Grandes hospitais e clínicas têm a gestão feminina mais eficiente e humanitária. Inumeráveis salões de estética e de cirurgias reparadoras são conduzidos por mulheres, como também grandes casas de moda, de perfumarias e o grosso do comércio farmacêutico. No campo das pesquisas médicas, por igual, as mulheres são uma presença numericamente relevante. Na Advocacia e no Ministério Público, também se passa o mesmo. As escolas de primeiro grau – isso é uma constatação nacional – são geridas por diretoras e professoras da maior qualificação, ocupando postos de trabalho em que a presença masculina é francamente minoritária. Esses exemplos poderiam ser ampliados dezenas de vezes.
Seria, então, a falta de empreendedorismo feminino um mito? Uma coisa que não existe, mas é repetida com a insistência de uma verdade? Certamente que não. Creio que o fator determinante dessa sensação se acha, em primeiro lugar, numa espécie de desestima geral pelo trabalho feminino, manifestada na menor remuneração do trabalho delas. Talvez seja chegado o momento de as mulheres assumirem posturas mais reivindicantes de sua igualdade, por certo dando-se, progressivamente, por vencida a fase em que o desnível remuneratório era o fator essencial em algumas análises fechadas a outras variáveis.
Na minha opinião, não seria mais frutífero, como foi no passado recente, a denúncia da desigualdade de remuneração, que isso tem de ser conseguido pela luta obstinada. O desafio que agora se coloca à nossa frente – sem minimizar as lutas das extraordinárias mulheres que nos antecederam – é, sobretudo, o da reivindicação de oportunidades, mediante a exigência de lugares nas disputas políticas, por exemplo, como, aliás, já é reconhecido nas leis eleitorais. Essa mesma metodologia pode ser multiplicada, evidentemente.
Dito isto, espera-se do poder público e da sociedade ações efetivas e estratégicas, onde se reconheça o inquestionável valor do empreendedorismo feminino, hipotecando seu apoio incondicional, através de projetos de lei de incentivos financeiros e de fomento de forma igualitária, assegurando a essas mulheres o espaço que lhes foi negado por séculos, garantindo assim, uma sociedade mais inclusiva e participativa.
(*) É advogada e servidora pública